“Vozes Abafadas” – Estudos apontam que professores correm maior risco de contrair enfermidades na voz

Por Thiago Romero – jornalista
Segundo reportagem da Fapesp, os
professores estão sem voz. E não é em termos metafóricos. É disfunção
das cordas vocais mesmo. As causas parecem ser muitas: necessidade de
gritar para garantir a famosa “disciplina”, predominância da metodologia
expositiva, condições de ensino, pouca procura por cuidados médicos,
etc. A rouquidão dos professores não é apenas um problema de saúde, é um
grave limite para o processo educativo. Um estudo com 747 professoras constatou
que 59,2% estavam com rouquidão. Pior: 25,6% tiveram perda temporária
da voz, que, além do impacto sobre a saúde das profissionais, pode
afetar o desempenho docente e prejudicar o processo de aprendizagem. A pesquisa, realizada por pesquisadores
da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) e da Universidade
Federal da Bahia (UFBA), teve resultados publicados na edição de junho
dos Cadernos de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no artigo Fatores associados a alterações vocais em professoras. As professoras, da rede municipal de
ensino de Vitória da Conquista (BA), com média de idade de 34 anos,
responderam a um questionário com perguntas sobre atividades de
trabalho, carga horária semanal, demanda psicológica envolvida nas
tarefas e situação da saúde vocal, incluindo queixas de disfonia e
presença de sintomas de rouquidão. A avaliação da saúde vocal foi feita
considerando as características do uso da voz, ocorrência de alterações,
tipos de tratamentos buscados e informações sobre atividades
domésticas. “Ainda que não seja uma doença
ocupacional aguda, a rouquidão começa com sintomas de fraqueza de voz,
que levam à dificuldade de modulação, e percorre um caminho que pode
levar a patologias como nódulos e calos nas cordas vocais”, disse
Eduardo Farias dos Reis, professor da Faculdade de Medicina da UFBA, à
Agência FAPESP. “Isso ocorre com freqüência, uma vez
que a atividade docente não pode parar e a voz é o principal instrumento
de trabalho. Calos nas cordas vocais, que é o momento mais avançado em
que a doença já está instalada, foram relatados por 12,9% das docentes”,
aponta o também diretor do Fundo Estadual de Saúde, órgão vinculado à
Secretaria de Saúde do Estado da Bahia. O estudo aponta que 91,7% das
professoras fazem uso intensivo da voz, sendo as duas alterações mais
comuns o cansaço ao falar e a sensação de voz rouca ou fraca após um dia
de trabalho. Quanto aos sintomas relacionados à saúde da garganta, os
mais frequentemente citados foram sensação de ressecamento (66,5%),
coceira (51,5%), pigarro (49,7%) e dor (43,6%).
Voz disciplinar
Reis reconhece que a prevalência de
rouquidão encontrada no estudo foi elevada, alcançando patamares
similares aos observados em outros estudos publicados em revistas
internacionais, que apontaram um índice de 57% em professores na Espanha
e 58% nos Estados Unidos. “Outras pesquisas mostram ainda que uma
parte importante do ato vocal é usada para controlar e disciplinar os
alunos, e não para transmitir conhecimento. Esse é um problema vivido
pelos professores de todo o país e que acaba tendo diferentes
repercussões no ensino, que vão desde dificuldades na sala de aula,
devido ao uso inadequado e nocivo da voz, até o afastamento temporário
ou permanente do trabalho”, afirmou. A Organização Internacional do Trabalho
(OIT) considera os professores como a categoria de maior risco de
contrair enfermidades da voz. O tipo de voz mais propenso a causar danos
aos órgãos vocais, segundo a organização, é a “voz projetada”, aquela
utilizada para exercer influência sobre outras pessoas, seja para chamar
atenção ou para tentar persuadir e ganhar a audiência. O estudo aponta que a rouquidão esteve
associada a fatores como trabalhar como professora há cinco ou mais
anos, exercer atividades em duas ou mais escolas, ter mais de 24 horas
semanais em sala de aula em todas as escolas em que trabalha e usar a
voz gritando ou falando alto. A rouquidão, cansaço ao falar, perda da
voz e irritação na garganta foram mais frequentes entre os professores
com mais de 25 horas semanais de trabalho. Outro dado importante levantado pelo
trabalho é o consumo de bebida alcoólica, referido por 19,3% das
docentes, e o número de docentes fumantes (7%). “Há também baixa procura
por ajuda médica. Por envolver um tratamento caro, demorado e que
normalmente não é coberto pelos convênios, apenas 4,9% das professoras
disseram ter consultado um fonoaudiólogo”, disse Reis. De acordo com o artigo, os fatores de
risco para o adoecimento vocal listados com mais frequência na
literatura científica são de cunho biológico (predisposição hereditária)
ou relativos aos hábitos individuais (falta de educação vocal
apropriada). Um dos principais destaques do estudo
foi mostrar a importância dos fatores associados à forma e à intensidade
com que o trabalho docente é executado, indicando a necessidade de
redimensionamento de alguns aspectos do trabalho docente, como, por
exemplo, a diminuição do tempo que se usa a voz profissionalmente. “Vale lembrar que o uso intensivo da
voz foi referido por mais de 90% das professoras. Então, esse tipo de
fator associado à ocorrência de alterações vocais deve ser considerado
na formulação e na execução de medidas preventivas do adoecimento vocal
dessas profissionais em todo o país”, destacou o professor da UFBA.
Para ler o artigo Fatores associados a alterações vocais em professoras, de Eduardo Farias dos Reis e outros, disponível na biblioteca on-line SciELO (Bireme/FAPESP), clique aqui
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